Projeto concebido originalmente para a área de Ideias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) Brasília, Mitos do Teatro Brasileiro é calcado na memória das artes cênicas nacionais.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

My fair lady



ESPECIAL PARA O CORREIO

Fui ao encontro de Bibi Ferreira, em seu apartamento, no Flamengo, numa tarde de julho de 2010, a fim de colher depoimento para o projeto Mitos do Teatro Brasileiro, que homenagearia Procópio Ferreira. A atriz sentou-se calmamente diante da câmera, delicadamente dirigiu o registro e, ao ouvir o sinal de gravando, respirou e cresceu extraordinariamente, como se estivesse num palco, diante do visor. Foi emocionante
vê-la passear pelo teatro que a abraçou desde menina. E mais vigoroso testemunhar ao vivo o carinho com que ela se lembra do pai,um dos maiores atores deste país.Divido aqui, com os leitores do Correio, alguns momentos daquela conversa que ficará para sempre em minha memória.


PROCÓPIO, PAI
“Papai, convivi muito pouco com ele. As verdades precisam ser ditas. Ele se separou de mamãe (a atriz e cantora Aída Izquierdo) quando eu tinha 1 ano de idade. Depois, voltaram a ser amigos quando eu tinha de 5 a 8 e se separaram definitivamente. Esse Procópio pai eu não tive.Mas o papai do teatro compensava qualquer falta, um homem organizado, meticuloso e alegre. Tinha o hábito de chegar ao teatro com
aquela voz deslumbrante, de dicção perfeita, e extensão vocal, que se ele falasse na peça um segredo,
numtom menor, o sussurro era ouvido na última fila”

PROCÓPIO, ATOR
“Eraumhomemquefaziaparte
da família do Brasil, era a alegria
do país numa época em que
não existia a televisão. Ele viajava
esse país enorme a ponto de GetúlioVargas
anunciar: ‘Procópio
botou mais cidades no mapa do
Brasil do que muito cartógrafo.
Como só existiam grandes teatros
nas cidades antigas, papai
trabalhava na igreja, nas varandas,
nas casas dos prefeitos. Não
tinha problemas. Era bem-vindo
nas cidades”

DUO NO PALCO
Várias vezes, eu e papai atuamos
juntos no palco e, não muito,
tínhamos que fazer personagens
que não eram pai e filha.
Fizemos papéis de marido emulher
e até amantes. Podia contar
que seria um insucesso a peça
em que éramos amantes. A reação
era negativa. A moral do povo
não admitia. Descobrimos
isso, quatro ou cinco peças depois.
Um dos nossos maiores
sucessos foi Divórcio, de Clemence
Dane, o primeiro grande
drama da carreira de papai”

PRECONCEITO 
Fui estudar no colégio de freiras do Sion e as elas se negaram a ter a menina filha de artista, filha de Procópio Ferreira. Papai era um homem de prestígio na sociedade e tinha muitos amigos importantes, como Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, o dono dos jornais do Brasil. Ele fez disso que aconteceu em nossas vidas um escândalo brutal, denunciando essa situação. Hoje, as famílias pagam os atores para animar as festas de 15 anos de suas filhas,veja bem como a coisa mudou”

DULCINA DE MORAES
Era dona de uma coragem enorme. A prova é o Teatro Dulcina de Moraes e a Fundação Brasileira de Teatro, edificados tijolo por tijolo em Brasília. Inauguramos o teatro com Gota d’água. Dulcina vivia uma vida de teatro, de duas sessões por dia, numa épocas em descanso semanal. Foi a primeira a acabar com tudo isso, com as folgas às segundas. Tinha um repertório eclético e de grandes sucessos, como Chuva. Ela merecia uma estátua em Brasília,em frente à faculdade.O corpo dela presente como sempre
diante do teatro”

MEMÓRIA
Falta ao Brasil mais atenção aos artistas nacionais. Alda Garrido, uma grande atriz, inesquecível em Dona Xepa; Iracema de Alencar, outra intérprete maravilhosa; Conchita deMoraes; Palmerim Silva…Tantos  grandes nomes esquecidos. Se não temos um museu bem cuidado para Carmem Miranda, que foi tão longe, como teremos para essas pessoas que foram a alegria do povo. Precisávamos cuidar mais das nossas
coisas, das lembranças dessa gente que tanto nos divertiu, numa época sem televisão”

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